Alguma coisa descartável, 2014 // [scroll down for english version]
por Paulo Gallina
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Por muito tempo a ciência preocupou-se em dissecar o mundo, natural e humano, para melhor compreendê-lo. Criando uma extensa bibliografia sobre os sistemas que, unidos, governam em maior ou menor grau a vida humana. Da biologia à história, da subjetividade implicada na psicanálise à objetividade científica da medicina, todos os campos científicos procuram o aprofundamento da compreensão do homem em seus variados aspectos. Na contemporaneidade, não encontramos uma teoria una sobre o universo material e cultural no qual estamos inseridos, um reflexo talvez da própria matriz cientifica pautada na desconstrução do objeto estudado para seu entendimento pleno. Cada sistema também atua coercivamente nos indivíduos, porque tira-lhes a capacidade criativa e imaginativa para pensar as estruturas que dão forma ao mundo.
A compreensão de um assunto torna-se também uma maneira de limitá-lo em suas possibilidades. Afinal, o que seria da teoria quântica se Albert Einstein estivesse preso às leis da física newtoniana? Podemos pensar então que a ciência cria e expande sistemas de aproximação entre o homem e seu meio. A pesquisa do artista Victor Leguy sobrepõe à inventividade parcialmente limitada na pesquisa científica aos sistemas de internalização do mundo e coerção cultural. O artista procura criar com imagens cotidianas que chamam a atenção para aquilo que foi apagado da memória social. 
Há uma pesquisa extensa por traz de cada trabalho deste artista, não se limitando a referências visuais ele também procura escavar o corpo social por suas narrativas orais e escritas, vernáculas e eruditas. Dando voz a quem nunca foi ouvido e tangenciando a experiência da vida cotidiana, Victor procura reunir informações atualizando-as constantemente, o que garante que a forma final sempre revelará o processo que levou a ela. Seus desenhos, apresentados em exposição, tornam-se anotações assim como as anotações ganham características o desenho.
A forma do desenho e seu suporte – onde ele está posto – explicitam a vasta pesquisa tanto quanto expõe a violência em nosso entorno. São imagens viscerais, nascidas do confronto entre práticas regionais, leis universais e a angustia do artista que percebe a derrota e o abandono da tradição em detrimento do avanço – impessoal e, por vezes, tacanho – tecnológico ou financeiro. Generosamente Victor Leguy propõe repensarmos o mundo e suas ideologias a partir das imagens, talvez por isso as séries de desenhos, fotografias e colagens não demonstrem ter fim ou começo, apenas uma repetição cíclica de um sistema quebrado que não pode parar de funcionar.
Alguma coisa descartável é um projeto site-specific para o espaço do Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), nele o artista reuniu descartes de papéis e imagens recorrentes no dia a dia urbano em busca de uma identidade para seus habitantes registrada pelos descartes da cidade. Uma identidade que 

talvez não seja clara, mas que se revelará para o visitante. Mesmo um sujeito que nunca conheceu um morador de Ribeirão Preto sairá da exposição com a impressão, forjada pelo artista, de conhecer melhor seus hábitos e costumes culturais. Na sala expositiva o visitante encontrará disposta parte do cotidiano burocrático do museu, os rascunhos e documentos desatualizados formando uma réplica imprecisa da cidade.
A alegoria criada pelo artista é construída por partes desta cidade, descartes: escondidos e presentes, sempre iguais e ao mesmo tempo diferentes quando mudamos de um local para outro. Na reflexão decorrente à visitação o sujeito produzirá uma identidade sobre o que é (ou sobre o que ele acha que é) a cidade de Ribeirão Preto. Afinal nem só de imagens é formado o pensamento humano, ainda que Victor insista em afirmar que a partir das imagens também construímos o mundo. Assim o artista pretende reunir no visitante o método científico (de aproximação por vários ângulos sobre um objeto) com narrativas secundárias, inacessíveis, que complementam o senso-comum.
Em fins do século XVIII Francisco de Goya y Luciendes pintava e gravava imagens que duvidavam da potência libertadora trabalhada pelos filósofos iluministas: uma promessa de trazer à luz um mundo imerso nas trevas. Goya procurava mostrar a incapacidade da razão em prevenir os males do mundo, promessa amplamente divulgada a partir das teses desses filósofos. No início do século XXI, Victor Leguy parece reiterar o desconforto de Goya junto a crença indubitável na ciência e na valoração dada a cada pequena parte do mundo.
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Some disposable thing / 2014
by Paulo Gallina


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For a long time, science was concerned to dissect the world, natural and human, to better understand it. Creating an extensive literature on systems which together govern a greater or lesser degree of human life. From biology to history, the subjectivity involved in psychoanalysis to scientific objectivity of medicine, all scientific fields seek to deepen the understanding of man in its various aspects. In contemporary times, we find a unified theory of the universe material and cultural in which we operate, a reflection perhaps of own scientific matrix guided the deconstruction of the studied object to its full understanding. Each system also acts coercively on individuals, because it takes them a creative and imaginative capacity to think about the structures that shape the world.
The understanding of a subject also becomes a way to limit it in its possibilities. After all, what would be the quantum theory if Albert Einstein was bound by the laws of Newtonian physics? We can think then that science creates and expands systems approach between man and his environment. The research of the artist Victor Leguy overlaps the partially limited inventiveness in scientific research to the world internalization systems and cultural coercion. The artist seeks to create with everyday images that draw attention to what has been erased from social memory.
There is extensive research behind each work of this artist, not limited to visual references he also seeks to excavate the social body for their oral and written narrative, vernacular and erudite. Giving voice to those who never heard and tangential to the experience of everyday life, Victor seeks to bring together information updating constantly, which ensures that the final shape will always reveal the process that led to it. His drawings, presented on display become annotations as well as annotations make the drawing characteristics.
The shape of the drawing and its support - where it is set - explain the extensive research as well as exposes the violence in our surroundings. Images are visceral, born of the confrontation between regional practices, universal laws and the anguish of the artist who realizes the defeat and the abandonment of tradition at the expense of advancement - impersonal and sometimes narrow-minded - technological or financial. Generously Victor Leguy proposes rethinking the world and their ideologies from the images, so maybe the series of drawings, photographs and collages show to have no end or beginning, just a cyclical repetition of a broken system that can not stop working.


Any disposable thing is a site-specific project for the space of Ribeirão Preto Art Museum (MARP), in this place the artist discharges of roles and recurring images on the urban day in search of an identity for its inhabitants registered by the disposal of city. An identity that may not be clear, but that will be revealed to the visitor. Even a person who never met a Ribeirão Preto resident will leave the exhibition with printing, forged by the artist, to get to know their habits and cultural mores. In the exhibition room visitors will find willing bureaucratic part of the museum everyday, drafts and outdated documents forming an inaccurate replica of the city.
The allegory created by the artist is constructed by parts of the city, discards: hidden and present, always the same and different at the same time when we moved from one location to another. On reflection due to visit the subject produce an identity of what is (or what he thinks is) the city of Ribeirão Preto. After all not only of images is formed human thought, although Victor insist in saying that from the images also built the world. So the artist aims to bring together the visitor the scientific method (approach from many angles on an object) with secondary narratives, inaccessible, that complement the common sense.
In the late eighteenth century Francisco de Goya y Luciendes painted and recorded images doubted the liberating power crafted by the Enlightenment philosophers: a promise to bring forth a world immersed in darkness. Goya sought to show the reason for the failure to prevent the evils of the world, widely publicized promise from the theses of these philosophers. In the early twenty-first century, Victor Leguy seems reiterate Goya's discomfort with the undoubted belief in science and assessment given to every little part of the world.
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