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Alguma coisa descartável é um trabalho baseado em histórias que perduram ao longo do tempo através da oralidade - histórias “vivas” que conectam lugares e tempos distintos, com base na minha pesquisa sobre Prisco da Cruz Prates, um poeta negro que viveu em 1889 na cidade de Ribeirão Preto (São Paulo, Brasil). Seus escritos falavam do tempo em que viveu, de seus compatriotas e sua relação com a cidade ,marcada profundamente pela segregação racial, a um ponto onde, até o século XIX existia um perímetro dentro da cidade onde os negros não podiam cruzar.
Em 1956 ele publicou o livro de Ribeirão Preto de Outróra (Former Ribeirão Preto), que contém vários textos que ele escreveu a partir de relatos de habitantes locais. Este documento serve como um mapeamento do estado de consciência da sociedade da época e indica a estrutura social da cidade como um todo. É importante compreender a informação recolhida nestas entrevistas. A história oral dos envolvidos, colocada como documento histórico é a principal base para a investigação, sugerindo uma alternativa à história oficial de Ribeirão Preto.
A partir da pesquisa sobre Prisco, construí uma instalação onde se reunem sobras e descartes com algum tipo de história registrada em papel, todas encontradas na cidade. Estes fragmentos se colocam sob uma mesa que sugere uma “geografia” re-pensada da cidade. Registros, anotações e desenhos foram feitos sobre todos estes suportes, baseados nos fragmentos orais que se repetiam nas entrevistas feitas com os antigos moradores, como o caso dos últimos cinco edifícios remanescentes na cidade na época de Prisco. As transcrições das entrevistas e histórias foras adicionadas a instalação, novas relações se estabeleceram, novos “ruídos” desfazem agora a história oficial. Em certo sentido, é uma tentativa de refazer o exercício de Prisco (de uma forma alternativa) de colocar no papel entrevistas com os habitantes locais, essências registradas e agora re-organizadas.
Neste processo podemos ver uma herança hedionda, formada por muitos acontecimentos passados - segregação, preconceito, distorções morais e sociais que foram absorvidas de forma negativa pelos descendentes de escravos e imigrantes que primeiro pisaram aquele chão, formam uma espécie de “DNA” nocivo. É interessante notar que ainda nos dias de hoje, crianças mencionam na forma de estórias “antigas” ou lendas assimiladas por suas brincadeiras de rua - “..não se pode passar da linha!” relacionando aquele espaço que separa as zonas da cidade, o perímetro criado naquele momento em que a cidade dividiu o branco e o negro - o fato é que elas não sabem mesmo o real motivo disto. Hoje em dia elas poderiam passar, mas não o fazem. Este “DNA” é ainda mais evidente no fato de que um poeta como Prisco (que foi realmente marginalizado em sua época, tido por muitos como um poeta “menor") ser negro, representar uma minoria, acabou perdendo sua essência. O poeta parece adotar em seus escritos um discurso oposto ao que se poderia esperar de alguém nessa posição - um tom conformado, domesticado.
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Some disposable thing is a work based on stories that endure over time through orality - stories that are “alive” that connect places and different times, based on my research on the Prisco Prates Cruz, a black poet who lived in 1889 in the city Ribeirão Preto (São Paulo, Brazil). His writings spoke of the time in which he lived, of his countrymen and their relationship with the city, deeply marked by racial segregation, to a point where, until the nineteenth century there was a perimeter within the city where black people could not cross.
In 1956 he published the book Ribeirão Preto de Outróra (Former Ribeirão Preto), containing several texts he wrote as of interviews with local inhabitants. This document serves as a mapping of the state of consciousness of the society of the time and indicates the social structure of the city as a whole. It is important to understand the information gathered in these interviews. The oral history of those involved, placed as a historical document is the main base for research, suggesting an alternative to the official history of Ribeirão Preto.
From the research on Prisco, i built a installation where gather leftovers and discards with some kind of history printed on paper, all of it found in the city. These fragments are placed under a table suggesting a re-thought "geography" of the city. Records, notes and drawings were made on all these supports, based on oral fragments that were repeated in interviews with former residents, as the case of the last five remaining buildings in the city at the time of Prisco. The transcripts of the interviews and other parallel stories were added to installation, new relationships were established, new "noise" now undo the official story. In a sense, it is an attempt to redo Prisco’s exercise (in an alternative way) to put on paper interviews with locals, registered essences and now re-organized.
In this process we can see a hideous heritage, formed by many past events - segregation, prejudice, moral and social distortions that have been absorbed in a negative way by the descendants of slaves and immigrants who first stepped onto that floor, they form a kind of harmful "DNA". Interestingly, even today, children mentioned in the form of old stories or legends assimilated by their street (child) games - "..you can not pass the line!” linking the space that separates the city areas, perimeter created at the time when the city divided white and black - the fact is that they do not even know the real reason for this. Nowadays they could pass, but do not. This "DNA" is even more evident in the fact that a poet like Prisco (which was actually marginalized in his time, regarded by many as a "minor" poet) be black, represent a minority, eventually lost its essence. The poet seems adopt in his writings an opposite discourse to what one might expect from someone in that position - a shaped, Domestic tone.
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fotos_Carla Chaim / pictures_Carla Chaim